jump to navigation

Primeiro contato 10/02/2010

Posted by Amandinha in Contos.
Tags: ,
1 comment so far

Ele me olhava.

 Me chamava.

 Me buscava.

Ou talvez fosse o contrário.

Eu o amava.

 Eu o buscava.

 Era belo.

Era profundo.

Era único.

Era tudo o que eu mais desejava.

 

Aquela era a primeira vez que ela o via de verdade. E se encantara desde o primeiro instante. Já o havia visto antes, é claro, mas apenas por fotografia ou pela televisão.  Mas nunca o imaginara tão belo.

Observava-o já há algum tempo. Temia pelo primeiro contato. Pelo o que ele poderia lhe causar. Deu então o primeiro passo. E depois outro. Tirou os sapatos. Achou que não seria muito certo entrar na água calçada. Assim, poderia sentir a areia molhada sob seus pés. Pensou melhor e achou que deveria tirar toda a sua roupa. Entrar em contato com ele assim como viera ao mundo. Assim seria mais intenso.

Sentia a água fria sob seus pés. Era tão bom. Ficou completamente arrepiada. E foi prosseguindo. Ultrapassando as ondas. Elas vinham se quebrar contra o seu corpo. A princípio ficara um pouco receosa. Elas lhe assustavam. Pensara em voltar. Mas depois começou a perder o medo. Passou até mesmo a gostar. E continuou indo mais fundo.

Achava que estava num lugar bom agora. Queria pensar um pouco. Olhar para o infinito e pensar. Como o mar era belo. Aquela cor que ela não conseguia definir exatamente, pois visto de longe parecia verde, mas ao tocá-lo o via quase que incolor. Tudo lhe fascinava. Como era imenso. Quantas vidas não abrigaria por sob suas águas? Como Deus havia conseguido criar uma imensidão tão bela? Era maravilhoso.

Aquele era o ápice de sua existência. Nunca imaginara sentir uma sensação tão indescritível. Tão incomum para ela. Por que, afinal, não havia chegado perto dele antes? Por que o mundo a deixara sofrer tanto sem que pudesse conhecer este lugar que a acalmava, que a fazia se sentir tão bem, esquecer. Agora chorava. E suas lágrimas salgadas misturavam-se a imensidão do mar, tão salgado quanto elas. Pensou que os dois poderiam ser parte de um só. E assim passara a sê-lo. A vida havia sido muito cruel com ela até aquele instante. Sofrera muito. Pensara em desistir diversas vezes. Quisera perder sua vida. Tirá-la de si mesma. Mas aguardava este momento. Aguardava o encontro com aquele que amara a vida toda. Aquele por quem buscara por anos a fio. Aquele que agora a confortava.

Olhava-o pela última vez. Era o momento de partir. E o que mais desejava era ficar com ele para sempre. Eternamente.

Decidiu dar o último mergulho. De despedida. E aquele realmente fora o seu último mergulho.

Aprendendo a amar 03/02/2010

Posted by Amandinha in Contos.
Tags: ,
add a comment

Chovia. Ela atravessava uma gélida camada de água sem rumo a seguir. Não sabia como chegara até ali. Não sabia pra onde ir. Só sabia que errara muito. Que sofrera muito. E ainda sofreria o bastante para se recordar de tudo. Suas lágrimas misturavam-se a água da chuva batendo sobre seu rosto. Não queria fazê-lo sofrer. Não queria sofrer.  Só queria ser feliz. Só queria viver. Deixara-se levar por seus sentimentos e talvez essa não tenha sido uma boa ideia. Mas como poderia imaginar? Ele sempre fora tão gentil. Tão doce. Tão amável. Um dia lhe disse não. Por quê? Simplesmente não o amava. Não podia permanecer com alguém por quem não sentia absolutamente nada. Mas pensara que ele compreendera. E nunca mais se falaram. Até o momento em que ele voltara a se aproximar. Não viu problema algum em tornarem-se amigos, afinal, já fazia tanto tempo que ele já deveria ter se esquecido. Mas não sabia o que havia por detrás de todas aquelas atitudes gentis. Com o passar do tempo foi notando o quão perfeito ele era. Gostavam das mesmas coisas, entendiam-se tão bem. Vira-se apaixonada. Sem saída. Aquilo lhe era incompreensível, nunca sentira nada antes. Talvez estivesse deixando de ser tão fria. Talvez estivesse aprendendo a amar. E um dia, então, decidiu contar-lhe o que sentia, afinal, ele não poderia tê-la esquecido tão fácil. Ledo engano. Ele ouvira suas palavras de amor com um leve sorriso sob sua face. E por fim, disse-lhe tudo que tinha a dizer. Que desde aquela tarde, sofrera por meses a fio, ficando completamente sem rumo. Mas que depois tomara uma decisão. Vingar-se-ia. Descobriu todos os seus gostos e começou a aproximar-se. Tornara-se o homem perfeito. Fizera-a apaixonar-se. E tudo para chegar aquele momento. Vê-la a seus pés e poder dizer-lhe que não a amava, que não queria nada mais com uma garota tão tola como ela. E ela correra. E chorara. E correra sob a chuva. E chorara sob a chuva. Buscava um motivo para continuar vivendo. Ou uma maneira de tirar sua vida. Foi quando ouviu passos. Apressados. Seguiam os seus. Gritavam seu nome. Era ele. Pedia perdão. Dizia que a amava. Ao vê-la chorar, não conseguira suportar. Seu sentimento nunca morrera. Só adormecera. Nunca deixaria de amá-la. Pedia que voltasse. E ela hesitou. Será que estava pronta para sofrer novamente? Não importava. Afinal, o amava. E isso tudo bastava.

Fuga 07/01/2010

Posted by Amandinha in Contos.
Tags: ,
add a comment

Subia as escadas, degrau após degrau, passo por passo, sendo o mais silencioso o possível. Estava escuro, mas sentia como se já fosse dia. Já se acostumara às sombras, à neblina, via tudo muito bem, lanternas e afins não lhe eram necessárias. Os anos de experiência já lhe eram mais que o suficiente. Nunca era descoberto. Nunca seria. Era mais rápido que qualquer outro sobre a Terra.

Já sentia o cheiro de sua próxima vítima. O desejo de matar passara a tomar conta de sua alma. Tudo sempre era tão bem premeditado. Gostava de se lembrar dos preparativos antes de chegar aos atos finais. A maneira com que pensava. Sentia prazer nisso. A escolha da vítima em questão lhe fora muito interessante. Ela era muito especial. Passara muito tempo observando-a e planejando tudo. Morava sozinha. Uma casa pequena. Saía cedo e voltava tarde. Exausta. Mal chegava e já dormia. Demorariam a notar sua falta. Nunca o relacionariam ao crime. Nunca o fizeram antes.

Esperava o anoitecer. Era sempre a hora em que preferia agir. Como um vampiro. Gostava da escuridão. Gostava da sensação que isso lhe causava. Gostava de sentir que tinha poder. Sobre a morte.

Abriu vagarosamente a porta do quarto em que ela dormia. Estava deitada em sua cama. Seus cabelos louros e sua pele clara contrastavam com seus lábios vermelhos. E com a alma escura de seu futuro agressor. Ela o fascinava. Sempre fora assim. Agora vingar-se-ia. Já que ela não seria dele, não seria de mais ninguém. Não seria a primeira, nem a última. Todas sempre o tratavam tão mal. Por ser alguém tão insignificante, sem nenhum diferencial. Mas ele sempre provara que era capaz. Capaz de lhes fazer muito mal. Mas com ela sempre fora diferente. A amava de verdade, mas sempre fora cruelmente desprezado. Só lhe restava agora provar que ela não o merecia. Que ela deveria tê-lo notado, deveria tê-lo amado. Mas agora era tarde. Já estava decidido. Prosseguiria com o plano.

Aproximou-se calma e friamente. Ela subitamente abriu os olhos. O olhava com medo. Não, essa não é a palavra certa, sentia pena, talvez, afeição. Sentimento esse que ele não conhecia e que o incomodava exageradamente. Colocou as mãos em volta de seu pescoço. Esperava que ela lutasse. Mas ela permanecia imóvel, sem nem ao menos tentar sobreviver. Sabia que não tinha chances. Que não sobreviveria, não lhe restavam mais forças pra lutar. Sofria.

Começou a apertá-la mais. Hesitou. Por mais que tentasse, não conseguia. Sempre dera certo antes, porque agora não dava mais? Ele sabia o porquê, mas não queria admiti-lo. Não podia prosseguir. Não conseguiria terminar o serviço. Suas mãos começavam a afrouxar. Era melhor desistir. Já tomara sua decisão. Soltou-a por fim. Olharam-se nos olhos. Os dele eram inexpressivos. Os dela choravam. A amava. A amava de verdade. Não seria capaz de matá-la. Sempre o soubera. Talvez fosse por isso que adiara esse momento por tanto tempo. Talvez fosse por isso que trazia um revólver consigo. Viver não lhe fazia o menor sentido. A morte era a maior saída para a sua dor. Sacou a arma. Apontava-a para sua cabeça. Agora era só puxar o gatilho e tudo estaria acabado.

Ela se levantou da cama. Aproximava-se cautelosamente. Achou melhor esperar. Queria ver o que ela faria. Tocou em sua mão. Ele nunca fora tocado por uma garota antes. Ela tirou o revólver dele, que tombou no chão. O abraçou. O beijou. Ele não podia suportar todo aquele afeto. Não condizia com sua personalidade. Não estava acostumado com aquilo. Começava a se desesperar. A empurrou bruscamente. Não podia mais suportar. Correu até a janela. Se atirou. Pronto. Agora tudo acabara.

Fim de ano 11/10/2009

Posted by Amandinha in Crônicas.
Tags:
1 comment so far

Era ano novo. Eu não devia ter mais do que sete anos de idade. Não me recordam muitos fatos daquela época. Mas aquela noite de réveillon me fora inesquecível. Talvez meu prezado leitor ache que eu estou fazendo muito alarde por um caso simples. Mas deves compreender que para um jovem garoto aquela noite foi o primeiro sinal de independência, de masculinidade. Mas tenho de ser breve, então, vamos aos fatos.

Havia uma festa em minha casa. Toda a família reunida. Uma boa música era tocada por meu avô e alguns tios. Alguns outros ouviam e cantavam, batiam palmas. As mulheres tomavam conta da comida, a cozinha era um verdadeiro caos e eu não me atreveria a me aproximar de lá, pois levaria certamente um puxão de orelhas.  As crianças corriam de um lado para outro e eu me vi obrigado a fazer o mesmo. Mas foi por pouco tempo. Sentada sozinha, em um canto onde poucos a veriam, estava Isabela. Tente imaginar, meu caro leitor, como fiquei ao ver sua imagem. Minhas pernas manteram-se fixas no chão. Sua imagem alegrava meu coração. Era a figura mais bela que eu já vira em toda a minha vida. Eu a amava, como nunca em toda amaria alguém novamente. Seu olhar era o mais doce do mundo e só de vê-lo encontrar-se ao meu já sentia meu coração palpitar. Era a garota mais encantadora do mundo.

Não sei quanto tempo fiquei parado, olhando-a somente, mas parece-me que poucos segundos após nosso encontro fomos chamados. Faltavam poucos minutos para o fim. Todos foram para o meio da rua. Provavelmente com o intuito de ver melhor os fogos de artifício. 5, 4, 3, 2, 1. E o céu negro ficou manchado de dezenas de cores. As pessoas gritavam e riam. Estouravam-se garrafas de champanhe. Todos se felicitavam. E é aqui que as coisas começam a acontecer. Meu primo me chama. Penso que ele irá me desejar um feliz ano novo, como todos o faziam. Mas estava enganado. Ele havia notado que os adultos, após abrirem as champanhes e encherem algumas taças, colocavam as garrafas sobre os muros das casas, a maior parte delas ainda com resquícios da bebida. Ele sugeriu que nós a bebêssemos, afinal, se não o fizéssemos ela provavelmente seria jogada fora, e nós deveríamos agir como adultos, se eles bebiam é porque deveria ser bom. Não fiquei muito convencido a princípio, mas ele me disse que assim eu poderia conquistar Isabela, que era irmã dele, e, por ser mais velha, preferiria alguém com um comportamento mais adulto. Não tive como não aceitar. A ideia de conquistar Isabela me deixava animado.

Fomos passando de muro em muro, pegando as garrafas sem sermos vistos e bebendo de um só gole, diretamente no gargalo. Creio que percorremos toda a rua, bebendo de toda a vizinhança. Ao retornarmos à minha casa, estávamos já um tanto quanto tontos. Diria que aquele foi o primeiro porre da minha vida. E toda aquela nova sensação me encheu de uma coragem que eu não conhecia antes.

Aproximei-me de Isabela. Ela estava novamente isolada num canto. Eu lhe disse que a amava. Ela sorriu. Fiquei me perguntando se o fizera porque gostara de saber disso ou se achara engraçadas as palavras de um menino embriagado. Como ela nada dizia, tomei uma decisão. Tomei-a em meus braços e a beijei. Era uma sensação nova e a melhor que já sentira em minha vida. Foi como se estivesse no céu. Nunca mais seria capaz de esquecer aquele momento.

Ela desvencilhou-se de mim e saiu correndo. Fugia. Nada mais me importava. Aquela havia sido a melhor noite de minha vida. Deitei-me no chão e fiquei a observar as estrelas. Em cada uma delas via o rosto de Isabela. Deixei-me adormecer por lá mesmo. Sua imagem não sairia de minha cabeça por muito tempo. E eu levaria daquela noite, as lembranças do primeiro amor.

Viagem de trem 26/09/2009

Posted by Amandinha in Crônicas.
Tags: ,
add a comment

Aquela viagem prometia ser longa. Eu estava cansada. Tivera um dia difícil. Tudo o que eu queria era ir logo para casa, tomar um banho e poder dormir. Tive um pouco de sorte. O vagão do trem estava vazio. Não completamente, mas o suficiente para que eu conseguisse me sentar. Tudo no que eu queria pensar era em breve eu estaria em casa. Descansar. Era só disso que eu precisava. Meus olhos se fecharam.

Acordei de súbito. Felizmente eu não havia perdido minha estação. Infelizmente ainda faltavam quarenta minutos para chegar ao meu destino.

Eu não conseguia mais dormir. Nunca conseguia. Tinha medo. Não queria perder a estação. Nem ser assaltada. Como em todos os dias, passei a prestar atenção a minha volta. Eu gostava de observar as pessoas, como elas se portavam, o que pensavam.

O vagão estava mais cheio do que antes. Algumas pessoas estavam de pé. O trem parou. Mais algumas pessoas entraram no vagão. No meio delas pude notar dois garotos. Não deveriam ter mais que dez anos. Vestiam roupas largas e velhas. Estava frio e tudo o que calçavam era um par de chinelos. Um deles carregava uma caixa em suas mãos. Passei a observá-los. Gostaria de saber o que iriam fazer.

Eles começam a percorrer o vagão. Interrompem todo homem com sapatos sociais. Eram engraxates. Profissão praticada há muitos anos por crianças de diversos locais do mundo. Aquela imagem passou a me entristecer. Gostaria de saber o que os levara aquilo. Teriam pais? Eles os forçavam a isso? Iam à escola? Gostavam do que faziam? Saberiam que poderiam ter uma vida melhor?

Me perdi em meus pensamentos tentando compreender o que levava as pessoas a essa situação. Tudo bem, é melhor estar engraxando do que roubando, mas eles eram crianças. Deveriam estar na escola. Naquele momento, em suas camas, preparando-se para dormir e no dia seguinte aprender coisas novas e se divertir, como as crianças deveriam fazer. A que ponto nós chegamos, fazendo com que nossas crianças trabalhem, se tornem adultas, antes de serem apenas crianças. Será que é difícil demais perceber que a infância está se perdendo? Onde foi que erramos e por que não tentamos encontrar uma solução para isso? Por que eu olho para as pessoas ao meu redor e elas simplesmente fingem não estar vendo nada, como se aquelas crianças não existissem, como se elas não fossem problema delas? Todos sempre muito mais preocupados com seu próprio mundo, sua vida, suas dificuldades, sem ver que tem gente com problemas muito maiores do que os nossos. Por que é mais fácil fingir que a realidade simplesmente não existe? Que ela está distante demais e que em nada nos atinge.

Enfim um senhor permite que os garotos cuidem de seus sapatos. Não entendo muito de graxa, mas vejo o quanto eles se dedicam, o quanto procuram fazer seu trabalho o melhor possível, o mais caprichoso, para que talvez ganhem alguns centavos a mais. O homem observa a tudo indiferente, mas já o considero uma boa pessoa, por aceitar ajudar a essas pobres criaturas. Ao término do trabalho, os garotos recolhem suas coisas e postam-se em frente ao seu cliente. Esperam seu pagamento. Ele pega sua carteira e retira algumas moedas, as quais entrega aos garotos. Era pouco, mas os olhos deles brilhavam como se aqueles centavos fossem ouro. Talvez esse pouco dinheiro lhes significasse ter o que comer ao chegar em casa. Dormir sem fome. Ter sonhos bons. Sonhar com um mundo no qual talvez tivessem uma vida melhor. Lutar por ele. Acreditar que a vida pode ser divertida. Nem que fosse por uma noite.

Chego ao meu destino final e vou dormir com algo mais. Não sei por que, mas algo está diferente em mim. Sinto uma vontade inexplicável de mudar, de ser diferente, de fazer alguma coisa. Não posso mais colocar a cabeça no travesseiro sem pensar naquelas crianças. Acho que nessa noite passei a ser  humana.